Jornal o Globo

Por Administrador 01/05/2013

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Barracas de cervejaria deixam areias monocromáticas e banhistas sem referências

As barracas vermelhas foram distribuídas gratuitamente pela cervejaria Itaipava aos 1.146 barraqueiros da orla, em troca de venderam a bebida da marca.
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RIO - Se estenderá até o próximo verão, pelo menos, a controversa onda vermelha que tornou monocromática a faixa de areia de toda a orla carioca, fazendo desaparecer o icônico multicolorido dos guarda-sóis de antigamente nos dias de praias cheias. As barracas vermelhas, agora onipresentes do Flamengo ao Recreio dos Bandeirantes — incluindo a Praia Vermelha — foram distribuídas gratuitamente pela cervejaria Itaipava aos 1.146 barraqueiros da orla, em troca de venderam a bebida da marca.

Cada barraqueiro começou a receber, a partir de 2010, um kit com 40 guarda-sóis e 80 cadeiras. Foi o bastante para que a faixa de areia perdesse a diversidade de cores. Banhistas reclamam, claro, do visual e também da falta de referências na hora de achar a própria barraca ou de indicar a sua localização a amigos. Porém, como a cervejaria repôs recentemente metade do material, vermelho ainda será a cor da orla em 2012. — Acabou o charme do multicolorido das praias. E, além disso, não temos mais pontos de referência. Antigamente, a gente dizia, por exemplo, "estou perto daquela barraca azul e branca", mas agora todas são vermelhas — protesta a banhista Keuliane Silvestre, frequentadora do Leblon.

Cada kit é orçado em R$ 9 mil

Num passado recente, a orla da Zona Sul teve o predomínio do amarelo, quando a cervejaria Skol distribuiu barracas e cadeiras com a sua logomarca. Diante da poluição visual generalizada, a prefeitura, então, proibiu, em dezembro de 2009, a propaganda nas areias. Segundo o presidente da Associação de Barraqueiros da Zona Sul, Paulo Juarez, foi o bastante para que os patrocinadores desistissem de fornecer barracas e cadeiras.

— A Itaipava foi a única empresa que se propôs a fazer a parceria conosco, mesmo sem poder expor sua marca. Ela distribuiu os kits de barracas e cadeiras, orçados em R$ 9 mil cada, aos barraqueiros — conta. Com a logomarca proibida, a Itaipava optou pelas barracas vermelhas, cor símbolo da cervejaria. Cada item é alugado pelos barraqueiros aos banhistas, em média, por R$ 3. — Os banhistas reclamam de termos só barracas vermelhas. Explico que eu poderia ter de outras cores, mas teria que comprá-las do próprio bolso e, nesse caso, ficaria no prejuízo porque as vermelhas eu ganho da cervejaria — explica um barraqueiro da orla do Leblon, sem se identificar.

A artista plástica Martha Niklaus, irritada com a areia monocromática, chegou a fazer um protesto, num domingo de sol em dezembro, no Posto 9: comprou tecidos em seis cores, cortou 300 pedaços e, com a ajuda de dez amigos, pregou cada um deles nas barracas abertas nesse trecho da praia de Ipanema.

— Visualmente incomoda porque o vermelho é uma cor agressiva, além de estar em quantidade excessiva. É um impacto na retina. As barracas descaracterizaram o cartão postal que são as praias — argumenta Martha, que prepara um vídeo sobre a interferência da publicidade no Rio. O turista baiano Rone Couto, que realizava, na última quarta-feira, o sonho de conhecer a Praia de Copacabana, admitiu estar decepcionado.

— A imagem que eu tinha de Copacabana é a das fotos: uma longa faixa de areia com barracas multicoloridas. Ao vivo, vi apenas barracas vermelhas. Não achei a praia tão bonita. A amiga Alexa Marques, que servia de cicerone para Rone, fez coro: — Com tudo de uma cor só, a gente se perde na areia. E também acho que comprometeu a beleza da orla. Urbanista e frequentador da praia, Marat Troina diz não se sentir incomodado com a onda vermelha porque acredita ser algo passageiro, "coisa de um ou dois verões".

— O espaço da praia é tão plural e democrático que essa hegemonia da cor vermelha, evidentemente, não será definitiva. Não terá caráter permanente. É apenas uma fase. Não será um fato marcante — diz. Especialista em cromoterapia, o presidente do CECTH - Centro de Estudos do Corpo de Terapias Holísticas, Rodolfo Correa Lima, diz que, por ser uma cor quente, o vermelho absorve o calor com mais intensidade e, portanto, não é apropriado para uma barraca de praia. A cor, ainda segundo ele, em vez de acalmar e relaxar, estimula a compulsão.

— Por isso, as grandes redes lojas populares lançam mão do vermelho nas suas marcas. Alguém já viu essa cor no quarto de um bebê ou de hospital? Não, porque não é relaxante. Pelo contrário, é um estímulo a sensações de compulsão. E, na praia, estar sob uma barraca vermelha é como estar num micro-ondas — compara.

Em nota, o Grupo Petrópolis, dono da marca Itaipava, informou ainda não ter sido procurado pela prefeitura para debater qualquer tema referente aos kits de cadeiras e guarda-sóis vermelhos que são oferecidos aos frequentadores das praias. No entanto, informa que, apesar de valorizar a cor vermelha característica da marca, "a Itaipava é amiga do Rio e fará o que for possível para atender aos desejos da população carioca e manter a parceria com os trabalhadores da orla".

Secretário admitiu não gostar da ‘maré vermelha’ e disse que fará a determinação

RIO - O secretário especial de Ordem Pública, Alex Costa, disse que quando a prefeitura proibiu o uso de propaganda em guarda-sóis nas praias, em dezembro de 2009, não imaginou que um patrocinador poderia fazer um "derrame" de equipamentos de apenas uma cor na orla. Admitindo não gostar do visual atual da faixa de areia, Alex afirma que determinará que na próxima reposição de material — prevista apenas para o próximo verão — a cervejaria distribua barracas e cadeiras em outras cores.

— Esse detalhe nos passou desapercebido. E, de fato, não é, esteticamente, algo bom para a cidade. Mas é um problema que vamos ter que resolver. Por isso, vamos ter uma conversa com o associação de barraqueiros. O patrocinador terá que, a partir de agora, flexibilizar e distribuir outras cores de barracas, junto com as vermelhas — explica ele.

O secretário disse ainda que vai incentivar ações de outras empresas para que também patrocinem barracas de outras cores na orla.

— Essas empresas poderão promover algum tipo de ação nas praias e, em troca, ela poderá distribuir barracas ao longo da orla — acrescenta.

Ainda de acordo com Alex Costa, quando começou o choque de ordem nas areias, a prefeitura chegou a estabelecer que as barracas, apesar de não poderem conter propaganda, poderiam ser de cores variadas.